#39 De útil a lixo a durar para sempre
Ei! Bem, esses homens são milionários, colecionadores, as pessoas mais apaixonadas da terra.–Honoré Balzac
No ido ano de 2017 defendi a minha dissertação de mestrado sobre coleccionadores de design português. Tinha dois temas principais: a historiografia do design português e o acto de colecionar.
Tens alguma coleção?
Em 1979, um senhor chamado Michael Thompson, teorizou que os objetos passam por três fases à medida que o seu valor varia.
Primeiro, transitório (transient); depois, lixo (rubbish); finalmente, durável (durable).
Os objetos transitórios são, regra geral, os objetos úteis, cujo valor vai diminuindo ao longo do tempo por ficarem gastos, estragados ou obsoletos. Começam com um valor positivo mas que tende para zero.
Quando o valor chega a zero, o objeto passa a pertencer à categoria do lixo.
Parece uma má notícia, mas não tem de ser: é a descida de valor até lixo que vai permitir que o objeto depois se possa tornar durável, quando o seu valor passa a ser social e/ou simbólico e volta a subir, com potencial infinito e incalculável.
Os colecionadores são especialistas nisto – transferir valor para objetos e transformá-los de lixo em durável. Ao ser colecionado, o objeto é re-enquadrado. A dificuldade de muitos colecionadores é que esse re-enquadramento depende da presença deles (se tiveres debaixo da cama uma caixa com bilhetes de cinema e outra ephemera pessoal percebes isto: sem ti e as tuas memórias, essa caixa é… lixo).

A arte é um caso muito interessante de pôr ao lado desta escala de valor, porque raramente começa como objeto transitório; é também o caso mais emblemático da tal valorização potencialmente infinita. O caso do design gráfico é diferente: queremos que cumpra uma função, que resolva um problema, e isso faz com que o seu primeiro lugar seja a imaculada utilidade. Escrevo imaculada porque muitos dos objetos gráficos, finda essa utilidade, caem a pique para lixo e nunca mais de lá saem.
Um cartaz de um evento, um envelope, um selo, um catálogo, um flyer, um cartão de crédito, um postal, um cartão de visita. Diferentes graus de valor e velocidade com que descem para lixo. Mesmo com todas as conversas sobre o futuro do design e design e futuro, o tempo do design continua a ser o presente.
Para o bem, porque resolve os nossos problemas hoje e agora.
E para o mal, porque a sua condição de “presente” impede-nos de ver além do seu valor transitório e torna a sobrevivência dos objetos muito mais difícil.
Um envelope com o antigo logótipo do Ministério da Cultura, do Ricardo Mealha, é coisa muito rara de encontrar em 2024. Já em 2011 o Frederico Duarte escrevia sobre ele e a sua extinção. A mesma coisa com um cartão de telemóvel da TMN; ou os posters do Guimarães Jazz 2009, pelos quais passava todos os dias a pé, na Batalha. Alguns destes objetos acabam, literalmente, no ecoponto, outros conseguem sobreviver à sua condição de valor zero e passar a durável, e ganham nova vida em leilões, coleções e exposições.
Esta semana recebi no correio dois documentos com o ex-novo logótipo da República Portuguesa. Pergunto-me o que vai acontecer aos lápis e a tudo o que foi impresso. Lixo ou durável?
Até breve,
Sofia
Para seguir
Things Organized Neatly
Seguia este tumblr quando era estudante e nem acredito que ainda existe, com publicações regulares. Coleções não são necessariamente organizadas de forma bonita e arrumada; e coisas arrumadas e bonitas não configuram automaticamente uma coleção. Mas a ordem (mesmo no meio do caos) está presente em muito do espírito de colecionar, e sabe bem olhar para isto.
Da internet
Use the Keyboard
Uma coleção de atalhos do teclado, para os nossos programas favoritos. Sem Adobe, que não há almoços grátis para eles.
Ler/ver/ouvir
Unblast é um repositório de recursos de design. Estou a terminar o meu site-portfólio e andei à procura de mockups simples mas bem feitos. Entre outros sites, encontrei o Unblast. Não sei se é uma sugestão óbvia, mas para mim, que sou novata no mundo dos mockups, foi um achado.
To Have and to Hold: An Intimate History of Collectors and Collecting é um livro sobre a história das coleções e dos colecionadores, essa gente doida e obcecada, que tanto pode juntar um monte de pedras com significado pessoal como dar a volta ao mundo à procura de borboletas, como acumular torradeiras ou chapéus. Dos gabinetes de curiosidades, pela história fora. Vou reler em breve.
Graphic Design: History in the Writing (1983–2011) é um conjunto de textos sobre a história do design, a sua escrita e os seus limites como disciplina. Somos tão recentes que carregamos a maldição (ou o privilégio) de escrever a história com consciência dela e dos seus viés.